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ARTIGO • 18/07/2018

Notícia tem que ser inteira

Advogado defende a identificação de acusados por crimes.

Notícia tem que ser inteira

Há algumas semanas um velho e querido amigo, aí de Assis, de onde me mudei há algumas décadas, foi assassinado a facadas dentro da própria casa.

Dias depois, noticiou-se que a polícia prendeu um suspeito pelo crime. Mas foi muito difícil para mim descobrir que o detido se chama Everton Moraes Martins, porque os órgãos de imprensa locais que noticiaram a prisão trouxeram somente as iniciais do nome do cidadão, E.M.M.

O que me causou estranheza: por quê ocultar o nome do detido, como de resto tenho visto em muitas outras notícias? Manifestei o estranhamento à considerada Dag Marciliano, daqui do Abordagem, e ela me respondeu que assim o faziam pelo temor de sofrerem processos judiciais, na esfera do dano moral, se no futuro ficasse estabelecido que o aprisionado é inocente. Retorqui ser tal temor injustificado e lhe disse o porque, e a seu pedido vou me estender um pouco sobre o tema neste artigo.

Pois bem, a prisão do acusado pela morte de Douglas Corteline foi levada a cabo pela polícia, donde que noticiá-la é livre exercício atividade de comunicação, respaldada pela Constituição Federal de 1988 para a questão. Na parte que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, reza o seguinte trecho no artigo 5 – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

O Inciso IX do artigo 5º é complementado pelo artigo 220 da mesma Constituição Federal, a garantir que "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição."

Assim, se porventura mais à frente o Sr. Everton Moraes Martins for declarado inocente e posto em liberdade, não lhe será cabível intentar uma ação por dano moral contra órgão de imprensa que tenha noticiado sua prisão e o motivo pela qual se deu. Poderá, sim, fazer tal ajuizamento contra o Estado, eis que foi um órgão estatal, a polícia, quem lho acusou por assassinato e, em consequência, privou-o de sua liberdade. Jamais contra órgãos de imprensa que tenham noticiado o fato.

(Há uma exceção cabível, mas não em decorrência do ato de noticiar, dar-se-ia no caso de a notícia encampar a denúncia, usando de adjetivos para referir-se ao detido como se condenado já estivesse. Como por exemplo usar contra ele, no corpo da notícia, termos desairosos como "assassino", "facínora", "bandido" e adjetivos correlatos. Porque neste caso não se trata de apenas noticiar, mas de fazê-lo ofendendo a pessoa).

Por tais motivos, não se deve noticiar pela metade fatos que envolvam pessoas e interesse público. Notícia tem que ser inteira, e em casos como o que tomei por base para estas considerações, é lícito e desejável que a imprensa decline os nomes das pessoas envolvidas. Fazendo-o com objetividade e sobriedade, nada há que recear.

 

Lao Ferraz - jornalista e advogado.